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Matérias e artigos escritos por Cleunice Monteiro,
aluna da escola de rádio (repórter) Padre Roberto Landell de Moura. Escola de rádio oficializada pelo sindicato dos radialistas.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

A saga do padre brasileiro Landell de Moura, cientista pioneiro


CELIA DEMARCHI

Responda rapidamente: quem é o pai da aviação? E o rádio, quem foi que inventou? Com certeza você acertou a primeira pergunta, mas provavelmente errou a segunda, ainda que tenha pensado no físico italiano Guglielmo Marconi, no genial croata naturalizado americano Nikola Tesla ou mesmo no físico canadense Reginald Aubrey Fessenden. Na verdade, o pioneiro na transmissão de som por meio de ondas eletromagnéticas foi um brasileiro.

Pouca gente sabe disso, o que é surpreendente, até porque a vida de Roberto Landell de Moura, contemporâneo de Alberto Santos Dumont, inclui diversos ingredientes instigantes. Nascido em 1861, em Porto Alegre, ele foi, além de padre, livre pensador e cientista visionário – previu, no fim do século 19, os princípios da televisão e do controle remoto por rádio, descobriu o efeito Kirlian (a “aura” luminosa dos corpos) e praticou exorcismo. Os mais de 40 cadernos manuscritos que deixou versam sobre religião, filosofia, parapsicologia e eletricidade. Em vez de um lugar na história, porém, tal currículo lhe rendeu má reputação – Landell de Moura tinha fama de feiticeiro e chegou a ser agredido por fiéis católicos.

Na opinião do jornalista José Marques de Melo, professor emérito da Universidade de São Paulo (USP) e diretor da cátedra Unesco da Universidade Metodista de São Paulo, entre os motivos do quase anonimato do padre cientista está um sentimento nacional que ele chama de “complexo de colonizado”: “Valorizamos tudo o que vem de fora e escondemos o que se produz aqui”. Melo, porém, tem feito sua parte para resgatar o legado brasileiro, por exemplo ao organizar a série Personagens que Fizeram História, em quatro volumes, editada pela Imprensa Oficial de 2005 a 2009, a qual reúne 72 perfis, inclusive o de Landell de Moura: “Quase não se fala dele nem mesmo nos cursos de comunicação, porque falta suporte”, diz o professor, referindo-se à escassez de bibliografia.

Aos poucos, no entanto, os fatos emergem. A obra mais completa sobre o criador do rádio, fonte das informações citadas acima (Padre Landell de Moura: um Herói sem Glória, de Hamilton Almeida) foi publicada no Brasil em 2006, pela Editora Record. Ironicamente, dois anos depois de um outro livro sobre sua saga, do mesmo autor, ter saído na Alemanha, pela Debras Verlag sob o título Pater und Wissenschaftler (“Padre e cientista”). Os dois livros, além de obras menos completas anteriores, resultaram dos esforços quase solitários do autor, um jornalista paulistano: “Acredito que a publicação na Alemanha facilitou a edição no Brasil”, diz Almeida.

Ele investiga a vida do inventor desde meados da década de 1970. No ano passado, com mais três admiradores do personagem, o jornalista lançou o Movimento Landell de Moura, com o objetivo de promover o reconhecimento oficial do inventor no país (http://www.mlm. landelldemoura. qsl.br/).

Também por ironia, a centelha que levaria Almeida à pesquisa foi acesa por um chileno, Júlio Zapata, seu professor no curso de jornalismo da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap), em São Paulo, em 1976. Zapata indicou-lhe o livro O Incrível Padre Landell de Moura: A História Triste de um Inventor Brasileiro, de Ernani Fornari, publicado em 1960 pela Editora Globo, e enfatizou que se sabia muito pouco sobre o cientista. Fascinado, Almeida começou ali uma longa investigação que o levaria a descobrir, por exemplo, que o padre pode ser considerado precursor não apenas no caso do rádio, mas também da televisão, do teletipo, do controle remoto por rádio e da fibra óptica. Tais são as conclusões, por exemplo, de estudiosos do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da Telebrás, de Campinas (CPqD), que, de acordo com o jornalista, interpretaram textos e desenhos técnicos deixados pelo inventor: “O Brasil teria largado na frente em telecomunicações se tivesse aproveitado seus conhecimentos, que ele inclusive patenteou no Brasil e nos Estados Unidos”.

Um dos 14 filhos do capitão Ignácio José Ferreira de Moura e de Sara Marianna Landell, Landell de Moura se interessou por ciências e filosofia ainda na puberdade e foi orientado pela família a seguir a carreira eclesiástica. Enviado para Roma, matriculou-se no Colégio Pio Americano e na Universidade Gregoriana, onde estudou física e química. Em 1886, aos 25 anos, foi ordenado padre.

Naquela época o mundo já conhecia o telégrafo com fio, invento patenteado em 1837 pelo americano Samuel Morse, que revolucionou as comunicações, eliminando as fronteiras intercontinentais. Michael Faraday já havia publicado seu tratado sobre a indução, no mesmo ano em que James Clerk Maxwell formulara a teoria eletromagnética (1873). Foi também nesse período que Heinrich Hertz comprovou a existência das ondas eletromagnéticas (1888). Estava, portanto, traçado o caminho para as comunicações sem fio. Marconi, Tesla, Fessenden e Landell de Moura transitaram simultaneamente nesse campo, e a invenção da radiotelegrafia e, mais tarde, a do rádio acabaram atribuídas ao italiano.

Marconi fez as primeiras demonstrações do telégrafo sem fio em 1895, na Inglaterra. Entretanto, antes dele – que teria plagiado os estudos de Tesla –, Landell de Moura havia provado que, além de sinais, também o som podia viajar codificado a bordo de raios luminosos e ser captado num ponto distante.

O padre brasileiro construiu seus aparelhos no fim do século 19, a partir de descobertas já consolidadas. Uma das mais essenciais, que inclusive está na base da tecnologia do telefone de Graham Bell, é a propriedade de variação da resistência elétrica do selênio. Seu “telefone sem fio”, como chamou o invento, era dotado de transmissor de som modulado por ondas eletromagnéticas de um feixe de luz, as quais ele fazia incidir, precisamente, sobre uma célula de selênio afixada no receptor, colocado à distância. A luz sensibilizava o selênio, que decodificava os sinais pela variação de sua resistência e os mandava para um fone de ouvido.

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